Mundo Bolsonaro

Missão brasileira ao Egito é cancelada após declarações de Bolsonaro sobre Israel

Pelos menos 20 empresários brasileiros já se encontram no país e precisarão retornar
Jair Bolsonaro, durante entrevista à imprensa Foto: Fabiano Rocha/Agência O Globo/20-10-2018
Jair Bolsonaro, durante entrevista à imprensa Foto: Fabiano Rocha/Agência O Globo/20-10-2018

BRASÍLIA — A aliança entre Brasil e Israel anunciada pelo presidente eleito Jair Bolsonaro na semana passada já começa a provocar reações concretas do mundo árabe. O governo do Egito cancelou, sem nova data, uma visita oficial que o ministro das Relações Exteriores, Aloysio Nunes, faria ao país no período de 8 a 11 deste mês. Pelos menos 20 empresários brasileiros já estão no Egito e precisarão retornar ao Brasil.

A informação oficial repassada pela Chancelaria egípcia é que a viagem precisaria ser adiada por problemas de agenda das autoridades do país. Aloysio teria encontros com o chanceler Sameh Shoukry e com o general Abdel Fattah al-Sisi, que ocupa a Presidência do país desde 2014. O Itamaraty também informou que a viagem foi adiada por razões de agenda. Uma data futura será definida "de comum acordo entre as partes", de acordo com o ministério.

No entanto, nos bastidores, o cancelamento da viagem é visto como uma retaliação à ideia de Bolsonaro de transferir a embaixada brasileira em Israel de Tel Aviv para Jerusalém quando assumir a Presidência. A ONU não reconhece Jerusalém como capital de Israel. O setor oriental (árabe) da cidade, ocupado pelos israelenses na Guerra dos Seis, em 1967, é reivindicado pelos palestinos como capital de um futuro Estado independente.

O 2º Fórum Brasil-Egito de oportunidades de investimento, que aparecia com destaque na página da Câmara de Comércio Brasil-Árabe, também foi cancelado sem nova data.

O Brasil tem um grande superávit comercial com o Egito, com o qual firmou um acordo de livre comércio que entrou em vigor no ano passado. De janeiro a setembro deste ano, o Brasil exportou US$ 1,453 bilhão ao país árabe, com destaque para carne bovina, milho, açúcar e minérios. No mesmo período, as importações de produtos egípcios somaram US$ 157 milhões, em sua maioria adubos e fertilizantes.

Desde a ascensão ao poder do general Sisi, em um golpe que derrubou o governo eleito da Irmandade Muçulamana, em 2014, o Egito mantém uma posição moderada em relação ao conflito árabe-israelense, tendo se reaproximado de Israel. O país, por exemplo, contribui para o bloqueio à Faixa de Gaza imposto pelos israelenses, mantendo fechada sua fronteira com o território controlado pelo grupo islâmico Hamas.

Ainda assim, o país mantém a posição histórica de apoio à reivindicação palestina por um Estado independente.

Mudança de tom com a China

Não foi a primeira declaração de Bolsonaro a criar um mal-estar internacional. Ainda candidato, Bolsonaro disse, em entrevista, disse ser contra vender ativos de energia aos chineses , numa declaração que preocupou o mercado. Os investimentos chineses no país já representam quase 10% da geração de energia no Brasil.

— A China não está comprando no Brasil, está comprando o Brasil. Você vai deixar a energia nas mãos do chinês? Suponha que você tem um galinheiro no fundo da sua casa e viva dele. Você vende todo dia ovos e algumas galinhas. Quando você privatiza, você não vai ter a garantia no fim de semana de comer um ovo cozido. Vamos deixar a energia na mão de terceiros?

Na segunda-feira passada, o “Global Times” , jornal diário chinês considerado um porta-voz informal de Pequim sobre política externa, publicou um editorial sobre as relações entre o Brasil e a China no futuro governo. A publicação afirmava que, embora a imagem da China tenha sido “injustamente depreciada” pelo político do PSL, “é inconcebível que o novo governo de Bolsonaro vá abrir mão do mercado chinês”.

O jornal, que chamou Bolsonaro de o “Trump Tropical”, lembrou que durante a campanha ele visitou Taiwan, considerada uma província rebelde, mas ponderou que depois ele mudou o tom em relação à China e considerou o país “um parceiro excepcional”.

Nesta segunda-feira, horas depois de se encontrar com o embaixador chinês , Bolsonaro disse em entrevista à TV Bandeirantes que o comércio com a China poderá até ser ampliado e que, após conversa com Li Jinzhang, ficou claro que o país asiático não quer deixar de fazer negócios com o Brasil.

Após investimentos bilionários no Brasil nos últimos anos, empresários chineses estão aguardando sinalizações de Bolsonaro para definir movimentos de investimentos, disse a Câmara Brasil-China à agência de notícias Reuters.

O presidente da Câmara de Comércio e Indústria Brasil-China, Charles Tang, disse que os empresários chineses estão "em compasso de espera" e aguardam sinalizações do presidente eleito antes de definirem novos negócios.

Projetos de investimento de empresas chinesas no Brasil confirmados desde 2003 representam aportes de US$ 54,1 bilhões, segundo um boletim do Ministério do Planejamento no mês passado, com outros projetos já anunciados no período que envolvem US$ 70,4 bilhões.

— Ninguém virá se não for bem-vindo. Os chineses estão cheios de dúvidas — disse Tang.