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Tema da redação do Enem 2018 é 'Manipulação do comportamento do usuário pelo controle de dados na internet'

Especialistas elogiam questionamento e negam que ele tenha viés político
Candidatos do Enem entram para fazer a prova pouco depois que os portões da Universidade Veiga de Almeida, no Maracanã, são abertos Foto: Marcelo Regua / Agência O Globo
Candidatos do Enem entram para fazer a prova pouco depois que os portões da Universidade Veiga de Almeida, no Maracanã, são abertos Foto: Marcelo Regua / Agência O Globo

RIO — Mais de quatro milhões de pessoas tiveram que escrever este domingo sobre a “manipulação do comportamento do usuário pelo controle de dados na internet”. A proposta, tema da redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), foi interpretada por alguns candidatos como tendo “viés político”.

Para a estudante Thais Marques, 19 anos, de Manaus, “a internet não controla ninguém”:

— Cada um tem seu pensamento — afirma a candidata, que pretende cursar Farmácia. — Nessas eleições, muito se falou em fake news e da possível influência das notícias falsas no resultado. Eu penso que não foi bem assim.

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O professor do Colégio e Curso Bionatus Raphael Torres nega que o cenário político tenha influenciado a escolha do tema da redação:

— Os alunos deveriam fazer um texto sobre manipulação e controle de dados. Poderiam falar a partir de viés político, mas também tinham a opção de escrever sobre consumo, comportamento — diz ele. — Devido à proporção do Enem e à  logística necessária para realizá-lo, a prova já estava confeccionada há meses, não foi influenciada pelos rumos da campanha presidencial.

Em um encontro com o presidente Michel Temer, o ministro da Educação, Rossieli Soares, destacou que o tema é “muito atual” e foi definido em “junho, julho” pelos técnicos do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).

— Não foi uma escolha de agora. Temos cerca de três textos pequenos de apoio para a redação. Mas o tema é extremamente atual e relevante para os estudantes que estão informados sobre a discussão de fake news. Ele de debate o papel da internet na informação.

A prova usou como apoio um artigo do “El País” sobre serviços de streaming e como a seleção do que é sugerido ao usuário é influenciada de acordo com as preferências culturais de quem usa a plataforma. Outro texto, “A silenciosa ditadura do algoritmo”, falava sobre o direcionamento das notícias que os usuários leem ou não.

Um gráfico com dados do IBGE trazia ainda as características de uso da internet pelos brasileiros, com recortes de gênero, faixa etária e tipo de funções das redes — como mensagens, vídeos, e-mails, etc. Por fim, havia um artigo chamado “Como a internet influencia secretamente nossas escolhas”, da BBC, que abordava como as opções das pessoas podem ser reflexo de provocações da rede.

Polêmica desde Trump

Coordenador de redação do Colégio de A a Z, Rafael Pinna explica que o assunto tem estado cada vez mais na pauta desde 2016, a partir da eleição de Donald Trump nos EUA, com o direcionamento de informação a partir da manipulação de dados de usuários do Facebook, obtidos pela empresa Cambridge Analytica.

— Esse foi um assunto muito discutido desde a eleição de Trump, e nas eleições deste ano no Brasil acabou sendo alvo de muito debate.

Carolina Achutti, professora de redação do Descomplica, ressalta que o tema foge da regra das últimas edições do Enem, que priorizaram um recorte social e de minorias. Neste ano, segundo ela, foi uma abordagem global:

— É importante falar de marketing dirigido. Você tem uma bolha na internet, nós alimentamos um perfil nas redes sociais e elas nos devolvem tudo aquilo que é compatível com esse perfil.

Diretor da Safernet, ONG que atua na defesa dos direitos humanos na internet, Thiago Tavares considerou o assunto oportuno:

— O tema é atualíssimo, relevante e oportuno, pois estimula os jovens a elaborar um pensamento crítico sobre os impactos da coleta massiva de dados pessoais sobre nossas interações nas redes sociais e em aplicativos como o WhatsApp e seus diferentes reflexos na economia, na política e na vida privada.

Os candidatos resolveram questões de Ciências Humanas e Linguagens. Apesar dos temores em relação ao horário de verão, a prova não registrou maiores problemas e teve a menor abstenção desde 2009.

Cinco competências avaliadas

A prova de redação avalia cinco competências, a primeira diz respeito ao domínio da linguagem formal. Na competência dois, a banca avalia a capacidade do candidato de compreender a proposta e aplicar conceitos das várias áreas de conhecimento para desenvolver o tema. Na terceira competência, os avaliadores observam a capacidade de relacionar opiniões e argumentos a favor de um ponto de vista.

A quarta competência se refere ao conhecimento dos mecanismos linguísticos para construção da argumentação. O último critério avaliado pelo Enem se refere à elaboração de proposta de intervenção para o problema, com respeito aos direitos humanos.

Até o ano passado, o candidato que desrespeitasse os Direitos Humanos na prova de redação do Enem recebia zero. Na última edição, após uma determinação do Supremo Tribunal Federal, o critério passou a não mais zerar a prova, mas ele ainda penaliza, com retirada de pontos.

Temas passados

Veja os assuntos abordados nas redações do Enem nos últimos anos:

O indivíduo frente à ética nacional (2009)

O Trabalho na Construção da Dignidade Humana (2010)

Viver em rede no século XXI: os limites entre o público e o privado (2011)

O movimento migratório para o Brasil no século XXI (2012)

Efeitos da implantação da Lei Seca no Brasil (2013)

Publicidade infantil em questão no Brasil (2014)

A persistência da violência contra a mulher na sociedade brasileira (2015)

Caminhos para combater o racismo no Brasil (2016)

Caminhos para combater a intolerância religiosa no Brasil (2016)

Desafios para a formação educacional de surdos no Brasil (2017)